terça-feira, 27 de novembro de 2007

Consertador

Para Simone


Gostava de consertar coisas. Qualquer coisa. Gostava de pegar um objeto quebrado e fazê-lo renascer, fazendo os reparos com carinho e atenção. Era meticuloso, perfeccionista; não deixava marcas do conserto, não deixava cicatrizes. Por isso mesmo era admirado, todos elogiavam sua habilidade, todos pediam sua ajuda quando tinham algo quebrado, e ele consertava tudo com prazer. Então, num raro momento de descuido, esbarrou e deixou cair uma antiga estatueta, herança e lembrança de seu pai. Recolheu os cacos desalentado, mas já examinando e concluindo: “não está difícil de consertar, dá para deixar como nova...”
Pôs-se a trabalhar, colando um pedacinho no outro, metódica e meticulosamente; juntava as peças e esperava secar a cola especialmente preparada, limpava o excesso, lixava com esmero e polia até que a marca da emenda desaparecesse por completo. Ao final, percebeu que faltava um pedaço. “Deve ter ficado no chão...”, pensou para se tranqüilizar, e começou a procurar, secando a cola em suas mãos. Levantou os móveis, tirou o tapete, conferiu e reconferiu cada milímetro do assoalho, passou a ponta dos dedos em cada canto, cada fresta do quarto. “Não pode simplesmente ter se evaporado.” Falou baixinho para não se preocupar, e foi procurar pelo resto da casa, enxugando o suor frio em sua testa. “Tem que estar em algum lugar!”, vociferou para não se desesperar, e revirou o lixo e fuçou ralos e sifões, enxugando os olhos. “Cadê essa merda?!” urrou, para ficar sem resposta, e saiu à rua, seu olhar se perdendo pela cidade, secando esperanças em seu peito, o pedaço que faltava a gritar sua ausência. Insuportavelmente.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Isso foi resgatado do "Em Família", um clássico que vale a pena lembrar...

Como Fritar um Bife

Foi numa famosa pescaria na barra do rio Pandeiros, que por si só já é geradora de clássicos dos Galery ad secula seculorum. Pra quem não sabe, o Pandeiros faz barra com o Velho Chico pelas bandas do norte/noroeste de minas (é só olhar no mapa, um pouco acima do Urucuia), pros lados de Januária. Para chegar ao acampamento (o terreiro de um pescador ribeirinho), em alguns momentos tivemos que abrir caminho a facão. Não havíamos levado nenhum tipo de carne, íamos comer o PEIXE que pescássemos! Resumindo, depois de quatro dias de arroz com macarrão, o Pai perdeu a paciência e foi comprar carne (e prestobarba, que ele tinha resolvido deixar a barba crescer na pescaria, mas não suportou...) lá em januária. Quando chegou, ele foi fazer os bifes para o jantar (que o almoço já era). Enquanto ele ia fazendo isso, ia me explicando todo o processo:

- Primeiro, você corta os bifes, sempre no sentido contrário das fibras, pra carne ficar macia. Depois, você tem que bater bem...

- Com o que, se a gente não trouxe martelo...- ousei intervir.

Ele estendeu os bifes um a um na bancada e SOCOU os bifes, sem piscar, até ficarem quase transparentes. Aí continuou sua explanação:

- Coloca a frigideira no fogo e deixa esquentar bem, aí você coloca o óleo, só uma gotinha, prá não grudar...

Já viu lata de óleo aberta em acampamento com furo pequeno? Nem nós... Resultado: quase dois dedos de óleo no fundo da frigideira velha, que mais parecia uma wok (aquela frigideira oriental em forma de cumbuca).

- Deixa esquentar bastante, que o importante é dar um choque na carne, para ela selar por fora e manter a umidade por dentro, pra ficar suculenta...

E eu lá, vendo o óleo borbulhar. Conhecedor de sua sabedoria, dei dois passos pra trás...

- Pronto, agora é só colocar o bife bem estendido na frigideira e deixar quieto...

Com um movimento elegante de quem estende um lençol ou toalha de mesa, ele pôs o primeiro bife na frigideira. Conseguiu imaginar a cena? Recapitulando: Frigideira tipo wok; óleo fervendo; bife estendido. Resultado: uma onda de óleo fervente que bateu no peito do pai e escorreu pela sua camisa de tecido sintético. Você fez uma careta de dor só de ler isso? Ele não, de garfinho em riste ele continuou:

- Deixa o bife quieto até ele dourar de um lado...

- Pai, você se quei...

- NÃO MEXA no bife, até começa a dourar as bordas...

- Sua camisa tá derretendo...

- Quando você ver que está no ponto você vira o bife...

- Não quer uma pomada, qualquer coisa?

- Agora você tira o que está pronto e coloca outro. Não precisa pôr mais óleo...

Nessa noite comemos os deliciosos bifes preparados pelo chef de ascendência francesa criado com a fleugma inglesa dos novalimenses. Não sei se por causa da lauta refeição à noite, sonhei a noite toda com um lobisomem que gania na barraca ao lado, mas não ousei tocar no assunto...


Segunda-Feira vem coisa inédita...

domingo, 18 de novembro de 2007

Será que agora vai?

Tanto tempo abandonado... Vai ser como começar do zero, então aí vai:

No ar, o mais velho novo blog da blogsfera! Assumo aqui publicamente (se é que alguém vai ver isso) o compromisso de atualizar este blog, pelo menos, uma vez por semana. Mal acabo de escrever isso já me bate uma preguiça sem fim.
Que tal um Hai-Kaizinho para desenferrujar (agora corrigido!):

O rio forte
ao desabafar deixa
cheio o mar bravo


Não deixa de ser um começo!