Para Simone
Gostava de consertar coisas. Qualquer coisa. Gostava de pegar um objeto quebrado e fazê-lo renascer, fazendo os reparos com carinho e atenção. Era meticuloso, perfeccionista; não deixava marcas do conserto, não deixava cicatrizes. Por isso mesmo era admirado, todos elogiavam sua habilidade, todos pediam sua ajuda quando tinham algo quebrado, e ele consertava tudo com prazer. Então, num raro momento de descuido, esbarrou e deixou cair uma antiga estatueta, herança e lembrança de seu pai. Recolheu os cacos desalentado, mas já examinando e concluindo: “não está difícil de consertar, dá para deixar como nova...”
Pôs-se a trabalhar, colando um pedacinho no outro, metódica e meticulosamente; juntava as peças e esperava secar a cola especialmente preparada, limpava o excesso, lixava com esmero e polia até que a marca da emenda desaparecesse por completo. Ao final, percebeu que faltava um pedaço. “Deve ter ficado no chão...”, pensou para se tranqüilizar, e começou a procurar, secando a cola em suas mãos. Levantou os móveis, tirou o tapete, conferiu e reconferiu cada milímetro do assoalho, passou a ponta dos dedos em cada canto, cada fresta do quarto. “Não pode simplesmente ter se evaporado.” Falou baixinho para não se preocupar, e foi procurar pelo resto da casa, enxugando o suor frio em sua testa. “Tem que estar em algum lugar!”, vociferou para não se desesperar, e revirou o lixo e fuçou ralos e sifões, enxugando os olhos. “Cadê essa merda?!” urrou, para ficar sem resposta, e saiu à rua, seu olhar se perdendo pela cidade, secando esperanças em seu peito, o pedaço que faltava a gritar sua ausência. Insuportavelmente.
Um comentário:
Ô Kiko, você escreve bem demais! Dá nó nos grugumilho, sÔ! Vontade de mandar pro mundo inteiro conhecer seu talento! E, repito, não estou dando uma de mãe judia... Beijo, Mãe
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